quarta-feira, 8 de abril de 2020

Mala Vermelha

A Fábrica Dillad era o coração da cidade.

Centenas de malas saiam por suas estradas com destino as lojas de todo o país. Diferente de seus moradores, que nunca saiam. Era uma cidade pequena. Nada acontecia. As famílias eram as mesmas, desde a sua criação. Tradições eram passadas de geração a geração. Os filhos seguiam as profissões dos pais, que antes foram de seus avós e assim por diante. Ninguém ia embora da cidade. Os que precisavam sair, sempre voltavam. Foi assim na época da Guerra. Onze homens da cidade foram convocados pelo exército. Onze homens da cidade voltaram para seus lares. Alguns diziam que a cidade ficou diferente após a guerra, mas a verdade é que não ficou. Ela permaneceu a mesma. Mais forte ainda. Outros diziam que ela mudou quando o banqueiro comprou a fábrica. 

Muriel pensava diferente. Para ela, tudo mudou quando ela e seus amigos foram brincar no prédio abandonado da fábrica. Caio, seu primo. Eduardo, o valentão. Eloy, o medroso. Os quatro sempre brincavam de pique-esconde nos dois primeiros andares do prédio, com as outras crianças da cidade. Sempre as mesmas e elas sabiam que não deviam ir até o terceiro andar.

"Muitos buracos no chão." dizia Caio.

"Lá tem fantasmas." sussurrava Eloy.

"Vocês são uns medrosos, mas eu aceito." reclamava Eduardo.

Mas naquele dia haviam duas novas crianças. Os gêmeos. Filhos do banqueiro. Muriel sabia que eles não respeitariam os conselhos e os encontrou escondidos no terceiro andar. O único que não foi encontrado foi Eloy, que geralmente era o primeiro. Nem no terceiro. Nem no segundo. Nem no primeiro. Horas depois, Muriel encontrou o amigo morto dentro de uma mala. Uma mala vermelha. Naquele momento, ela soube que a cidade estava mudando.



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